Sinto-me
demasiado presa, sinto-me como um pĂ¡ssaro numa gaiola com as asas cortadas. NĂ£o
me deixam crescer, nĂ£o me deixam ser livre e eu sĂ³ pedia isso, sĂ³ pedia que me deixassem
ser um bocado livre para poder ser feliz, se nĂ£o posso ser feliz entĂ£o para que
aqui estou? Privam-me da minha prĂ³pria vida, nĂ£o me deixam ser eu mesma e
depois? Sou um robĂ´ programado para ser aquilo que querem que seja. SĂ³ gostava
de poder sorrir livremente, poder dizer que conheço o meu prĂ³prio “eu” mas nĂ£o,
obrigam-me a viver fechada, sem liberdade sequer para dizer o que penso sem ser
repreendida e castigada. Devia ser capaz de olhar para a frente e orgulhar-me
daquilo que me tornei, mas o que realmente me tornei? Uma pessoa desenhada
dentro das linhas que desejaram para mim, um erro que nĂ£o pode ser apagado. Nunca
fui o suficiente para ninguĂ©m, sempre fui menos que o esperado, uma desilusĂ£o.Um
dia vou fugir, as minhas novas asas serĂ£o mais fortes e irĂ£o ajudar-me a fugir
e depois? Nunca mais irĂ£o olhar para mim, nunca mais serĂ£o capazes de me ver porque
irei voar tĂ£o alto que a luz do sol irĂ¡ encandear-vos.
Quando o consciente se torna
inconsciente de tudo o que faz, que nos leva a dizer coisas que nem estavam
reservadas para serem ditas, quando damos um passo a mais que devia ter sido
dado hĂ¡ momentos atrĂ¡s, quando isso faz com que haja revolta. Guerra sangrenta,
chuva de sangue negro, gotas espeças a caĂrem cada vez mais rĂ¡pido e com mais
força, o suor seca, os sentimentos negativos revelam-se, os olhos nĂ£o brilham,
ardem, chamas nascem como se nĂ£o houvesse amanhĂ£. AtĂ© pode nĂ£o haver, quem
sabe. O tempo Ă© uma luta constante, luta contra o humano, tem cada vez mais
força, um dia cairĂ¡.
Os
dedos começam a congelar, um por um, nĂ£o hĂ¡ um Ăºnico que escape, o destino foi
traçado, nĂ£o hĂ¡ como voltar atrĂ¡s. Escolhas? Essas jĂ¡ deviam ter sido feitas,
impossĂvel reverter a vida, nĂ£o tem como fazer outras ou novas escolhas. Os
erros apoderam-se da mente, a culpa aumenta, cresce cada vez mais, Ă© como
pedaços de vidro a rasgar a pele com pressĂ£o e em cĂ¢mara lenta, agulhas a
espetar no coraĂ§Ă£o… Sensações doentias, limites desconhecidos, vulnerabilidade instalada.
NĂ£o hĂ¡ estabilidade.
Quem
sou eu para falar? Pensamentos negativos a cada segundo, sou instĂ¡vel, nĂ£o sei
o que sinto, o que quero, o que penso, nĂ£o sei como lidar comigo mesmo sabendo
quem sou, talvez nem isso eu saiba. É difĂcil, sinto cada corrente do meu
corpo, sinto o sangue a correr nas veias, sinto a minha mente a trabalhar, o
coraĂ§Ă£o a bater, mas nĂ£o sei como me sentir em relaĂ§Ă£o a isso. Viver nĂ£o Ă© para
se fazer a cada dia? Porque sĂ³ vivo quando arrisco? O meu coraĂ§Ă£o sĂ³ acelera
quando passo os limites, quando me magoo ou magoo alguém, quando erro de tal
forma que isso se nota no meu corpo.
Admito,
sinto saudades. Saudades de ter alguém que me compreenda, que lute por aquilo
que mais odeia em mim, que me olhe nos olhos e descubra a minha beleza interior
mesmo quando acho que a mesma nĂ£o existe. AlguĂ©m que me puxe para a vida, que
me incentive a viver e me faça olhar para o mundo com outros olhos, que me
obrigue a ser feliz com simples gestos, que me realize. Podiam apagar estes
pensamentos escuros da minha mente, podiam acabar com o pessimismo que hĂ¡ em
mim, podiam abrir as portas da minha mente e cortar todo o mal, pela raiz, mas
nĂ£o… hĂ¡ sempre algo mais importante a fazer, hĂ¡ sempre alguĂ©m pior que eu e
disso eu tenho a certeza, todos os dias vejo casos novos, pessoas cada vez
pior, mas também sou um ser humano, também sinto, também vou abaixo, mas com
pouco.
A
solidĂ£o Ă© estranha, sinto-a a falar comigo, diz que nĂ£o presto, que sou uma
pessoa inĂºtil, que ninguĂ©m me quer, ninguĂ©m precisa de mim, e no final de contas
vem alguém dizer que precisa, como posso eu acreditar? Como posso acreditar em
alguĂ©m que me conhece hĂ¡ uns tempos? NĂ£o hĂ¡ provas, nĂ£o consigo acreditar nas
ações, nas promessas. Promessas… que nostalgia, palavras tĂ£o inĂºteis, sem
sentido, palavras de boca para fora guardadas no baĂº da memĂ³ria com raiva e
ressentimento. A cara dessa pessoa ficou gravada, nunca me irei esquecer de
tanta promessa feita e quebrada. Se nĂ£o conseguem cumprir, porque falam? NĂ£o
tenho moral, eu sei, tanto que prometi e ainda nĂ£o cumpri. “Vou fazer alguĂ©m
feliz” pensava eu… que ingenuidade a minha, nunca irei ser capaz de fazer
alguĂ©m feliz, nem nenhuma pessoa serĂ¡ capaz de me fazer a mim feliz. Somos
todos uns monstros, uns animais com espĂrito demonĂaco. Nada nem ninguĂ©m Ă©
capaz de se unir a outrem para fazer o bem.
Enfim,
para quĂª falar? Nada serĂ¡ resolvido, os ouvidos do coraĂ§Ă£o de cada um estĂ£o
tapados com o Ă³dio, com o orgulho do dia a dia. O mundo Ă© injusto, julga para
nĂ£o ser julgado, mas tornasse numa bola de neve, quem julga serĂ¡ julgado, nĂ£o
sei, isto tem de parar. Julgam pela saudade permanente, ninguém pode ser feliz
porque Ă© um erro seguir em frente, mas tenho de estar com o passado preso em
mim? Tenho de carregar as mĂ¡goas do passado? NĂ£o posso ser feliz porque os
outros nĂ£o concordam com a minha decisĂ£o? Eu fiz uma escolha, mesmo nĂ£o sendo a
mais correta foi a minha escolha, o meu coraĂ§Ă£o disse para seguir em frente e
foi isso que fiz.
Sequei
as gotas negras da chuva dos meus olhos, sequei a mĂ¡goa que impedia o meu
coraĂ§Ă£o de bater e soltei o sorriso que estava preso. As memĂ³rias mĂ¡s continuam
presentes, claro que continuam, foram elas que me ensinaram a crescer, foram
elas que me rasgaram os olhos e permitiram que eles abrissem. As promessas?
Ainda estou Ă espera que sejam cumpridas. Pode ser um erro querer ser feliz?
Pode, mas como sempre, tentarei aprender, o meu consciente voltarĂ¡ ao seu ciclo
vicioso, mas nunca quebrarei a rotina de tentar. SenĂ£o tentar, ninguĂ©m o farĂ¡
por mim.